*Por Lilian Britto
A psicoterapia infantil é uma prática da psicologia que tem como objetivo favorecer o bem-estar e a qualidade de vida da criança e de sua família. Esta prática também é útil na prevenção de problemas familiares e infantis, bem como na redução de dificuldades já instaladas na família e na criança. A psicoterapia infantil, portanto, é o espaço onde a criança é acolhida e ouvida, podendo expressar seu universo privado e aprender a comunicar sentimentos como raiva, saudade, tristeza, frustração, medo, ansiedade e amor.
Durante o atendimento à criança, o terapeuta usa estratégias lúdicas de acordo com a idade1, tais como histórias, desenhos, colagens, pinturas e jogos, a fim de criar um ambiente no qual ela se sinta à vontade. Por meio dessas atividades, o terapeuta tem a oportunidade de conhecer melhor a criança, seus pensamentos, sentimentos e comportamentos. Entende-se, assim, a necessidade de um ambiente que proporcione momentos à criança e aos pais e/ou cuidadores para repensarem suas relações, escolhas, dificuldades, sonhos e possibilidades.
Compreender a expressão simbólica da criança é descobrir que ela constrói um mundo de fantasia que desperta sentimentos de medo e ansiedade, mas que precisam ser trazidos à luz para serem lidos, ressignificados e integrados. Quando a criança em terapia experiência os seus sentidos, o seu corpo, os seus sentimentos e o uso que pode fazer do seu intelecto, ela recupera uma postura sadia frente à vida.
A psicologia de Carl Gustav Jung e sua prática estão basicamente interessadas na expressão dos processos psíquicos, o que ele denominou de símbolo. Os símbolos são experienciados nos desenhos, nas imagens oníricas, em fantasias, em metáforas poéticas, em contos de fadas, em mitos, na arte, entre outros. Jung ressalta que a psique cria, incessantemente, símbolos e imagens com os quais a consciência tem de dialogar a todo o momento.
Neste sentido, conhecer a criança e seu mundo, e, ao mesmo tempo, ajudar a desenvolver sua personalidade e ativar os germes do vir a ser e o que sou, é o objetivo principal do espaço terapêutico. É importante salientar que os símbolos (sonhos, imagens, desenhos, imaginação e fantasias) serão um dos instrumentos principais do terapeuta para ter uma visão de um determinado psiquismo e direcionar o indivíduo para a sua totalidade.
Deve-se considerar que a criança se expressa de maneira inconsciente, sem a preocupação do que os observadores irão pensar, pois a criança brinca por puro prazer, já que ela não é limitada pelas barreiras exteriores que são impostas, incluindo as cobranças da família e/ou da sociedade. O que torna a arte expressiva é a manifestação do “eu” e suas reações subjetivas ao meio.
Fordham diz que o setting terapêutico deve ser concebido de modo a permitir maior liberdade de movimentos. Seja no tratamento analítico ou fora dele, o brincar é parte essencial da vida de uma criança e, embora se saiba disto há muito tempo, ela não era considerada elemento tão importante no tratamento infantil, até o momento em que Melanie Klein usou brinquedos e brincadeiras para dar início à psicanálise com crianças.
Melanie Klein fundou a técnica da análise pela atividade lúdica com crianças. O brincar foi considerado por ela a expressão simbólica da fantasia inconsciente. Ela afirmou que pelas brincadeiras a criança traduz de modo simbólico suas fantasias, desejos e experiências vividas semelhante à associação livre com adultos. O elemento organizador essencial do pensamento de Melanie Klein é também a prevalência da fantasia e dos “objetos internos” sobre as experiências desenvolvidas no contato com a realidade externa. Além desses aspectos, ela enfatiza o mundo interno do bebê e o papel da mãe ocupando lugar central na constituição do indivíduo desde o nascimento. Ela foi a analista que resgatou o lugar da criança no discurso analítico, defendendo, a partir dos princípios da teoria psicanalítica, a condição plena de analisando.
Um importante psicanalista baseou seu extenso trabalho clínico com bebês e crianças: Donald Winnicott. Este foi um grande teórico da psicanálise que muito contribuiu para uma maior compreensão da constituição subjetiva. Ao longo de sua obra, Winnicott destaca a influência do meio ambiente no desenvolvimento psíquico infantil em que: o ambiente é sinônimo de cuidados maternos – a mãe ou algum substituto irá favorecer ou dificultar o desenrolar desse processo.
Outro teórico que teve importância para a prática clínica infantil foi John Bowlby, psiquiatra inglês e psicanalista, Membro do Grupo Independente, um especialista em psiquiatria infantil e diretor do prestigiado Tavistock Clinic, em Londres. Ele foi uma das principais figuras do movimento psicanalítico inglês e o primeiro psicanalista a ter proposto um modelo de desenvolvimento e de funcionamento da personalidade – ou teoria dos instintos – que se distancia da teoria das pulsões
de Freud. A sua obra centra-se essencialmente em duas noções: o comportamento instintivo e a vinculação. Três noções básicas fazem parte de sua obra: o apego, a perda e a separação.
Lacan, em seu retorno a Freud, também contribuiu significativamente para a psicanálise com crianças, apesar de não atender a este público, ele desenvolveu a argumentação de que o inconsciente é o campo da linguagem, ou como este afirmou, “o inconsciente está estruturado como a linguagem”. Além disso, Lacan recuperou a importância da função do pai para a psicanálise. Ele propôs pensar “uma posição entre a posição imaginária do pai, representante da cultura e da lei, e a posição imaginária da mãe dependente da ordem da natureza e condenada a fusionar-se com o filho, objeto fálico faltante”. Essa foi uma das maiores contribuições de Lacan para a compreensão da constituição do sujeito e na prática clínica com crianças.
Colaboradora e amiga de Lacan durante muito tempo, Françoise Dolto tornou-se, na França, uma psicanalista inovadora em matéria de psicanálise infantil. Reconhecida, porém, controvertida, sua abordagem centrou-se na escuta do inconsciente e nos traumas genealógicos. Diferentemente de Melanie Klein, que popularizou a técnica psicanalítica do brincar, Françoise Dolto utilizou principalmente a fala, o desenho e a modelagem, fazendo que o dito da criança fosse representado
Com o surgimento de novas abordagens diferentemente do pensar da psicanálise, surge a Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung. Ao longo de sua vida, ele baseou-se na distinção geral entre estruturas conscientes e inconscientes, bem como se dedicou a descrever detalhadamente o comportamento das imagens arquetípicas. Pode-se afirmar que Jung não aprofundou seus estudos sobre a infância, e, por isso, suas ideias sobre este tema permaneceram as mesmas no que se refere ao amadurecimento na infância e à natureza dos processos inconscientes nesse período da vida do indivíduo.
Se voltarmos às primeiras obras de Jung, as do período em que foi influenciado por Freud e aquelas do período do rompimento entre ambos, é possível encontrar muitos conteúdos acerca da psicologia da infância. As publicações de maior peso foram os estudos de testes de associação, que mostraram, pela primeira vez, o amplo alcance dos efeitos das identificações entre pais e filhos e o quanto a vida de uma criança poderia ser, aparentemente, influenciada pela natureza psíquica dos pais. Entretanto, Jung deu maior atenção às investigações simbólicas que formam a base do desenvolvimento dos processos do pensamento cognitivo.
Apesar de não excluir a análise de crianças, as palestras de Jung eram baseadas sobre a ênfase na educação, o papel do educador, a psicopatologia infantil e a influência dos pais. Mas, a tendência central da obra de Jung era o processo de individuação que era por ele concebida como tendo início mais ativo em pessoas que se aproximavam da meia-idade.
Michael Fordham apreciou muito os encontros informais com Jung em sua casa; e foram nesses encontros, ao longo dos anos, que consolidou um bom relacionamento com ele. Além disso, Fordham também demonstrou um grande respeito pela esposa de Jung, por ter apoiado o seu interesse em crianças. Muito tempo depois, no final de sua vida, Jung ficou fascinado pelos sonhos das crianças, mas ficou assustado com a pouca perspectiva de investigação nesta área. Assim, escreveu para Fordham:
Eu só não posso ver o meu caminho para algo tão ambicioso como um livro sobre sonhos infantis. Isso seria realmente sua província e gostaria de tentar persuadi-lo a sua mão sobre tais materiais. Estou agora em uma época em que ela se torna desaconselhável prosseguir a grande aventura dos pioneiros da investigação. Devo deixar a alegria e o desespero para jovens forças. (Jung para Fordham – 22 de fevereiro de 1952).
Paralelamente a essa amizade e ao interesse mútuo, Fordham foi verificando que suas próprias pesquisas foram estimulas por algumas ideias de Jung: “Ele deu amplas provas da sua boa opinião de mim e, posteriormente, sugeriu-me tornar editor de suas Obras Completas. Ele era sempre acessível quando eu queria vê-lo; ao passo que suas cartas foram, com uma ou duas exceções, perspicaz e terminou com cordialmente”. A partir desta grande amizade e do próprio pedido de Jung, Fordham criou sua teoria infantil baseada na abordagem analítica, e, no decorrer de seus estudos reformulou alguns conceitos do modelo junguiano.
Desta maneira, Fordham foi pioneiro no estudo do desenvolvimento infantil por mais de 50 anos, e partiu da Psicologia Analítica de Jung para aplicar algumas formulações à psicologia infantil. A partir dos seus estudos e de sua vasta experiência como psicoterapeuta infantil, Fordham propôs uma concepção de Self na infância diferente da desenvolvida por Jung; entretanto, os conceitos básicos utilizados por este autor são baseados na abordagem junguiana.
Além de Fordham, Erich Neumann criou uma das primeiras associações da Psicologia Analítica à infância que contribuíram muito para o preenchimento das lacunas desta abordagem sobre a criança. Apesar de Neumann e Fordham terem partido de ideias distintas, estes se completam por serem pós-junguianos e terem interesse em estudar o desenvolvimento infantil a partir da Psicologia Analítica.
Neumann estudou com Jung como aluno e criou uma das primeiras associações de Psicologia Analítica de Israel, com uma seção dedicada exclusivamente à infância. Diferente de Fordham, suas teses não continham material de análise infantil, mas se desenvolveram por inferências da sua experiência clínica e observação com adultos. Devido a isso, ele recebeu inúmeras críticas por sua visão adultomorfa e idealizante da figura infantil. Recorrendo à mitologia, procurou encontrar também os traços de uma memória psíquica coletiva.
Neumann foi e é alvo de muitas críticas, tanto pela sua forma pouco realista e pouco prática de entender a criança, como pelas suas críticas à psicanálise e outras concepções da própria Psicologia Analítica que ele usou ou entendeu de uma forma muito particular. No entanto, foi um homem de visão e seus estudos contribuíram muito para o preenchimento das lacunas entre a Psicologia Analítica e a criança. Neumann sustentou a ideia de existir em uma criança elementos que determinavam seu crescimento, refutando por esta razão a ideia de que a criança é somente uma extensão dos pais.