*Por Lilian Britto
No trabalho com crianças é desejável que se possa contar com a família da criança e que ela seja razoavelmente adequada para que possa colaborar no processo de ajuda à criança e, assim, aprender a perceber e a lidar com os momentos de crise que possam emergir ao longo do seu desenvolvimento. Observa-se que os pais quando trazem a criança para o consultório do analista vêm com um sentimento de fracasso, que pode levá-los a não só odiar o terapeuta, mas também a própria criança. Quando são convidados a trabalhar com o filho e observam o seu progresso, recuperam a autoconfiança como pais e o relacionamento com a criança é distencionado pela diminuição da ansiedade.
Geralmente a criança é trazida à psicoterapia porque os adultos, pais, querem modificá-la. Todos esperam que ela seja mais aquilo, ou deixe de ser assim ou assado, ou venha a ser de uma forma diferente daquela que ela está apresentando no momento. Portanto, umas das sensações que a criança certamente vem experimentando é a de não ser aceita. Tal experiência costuma trazer muito sofrimento, uma vez que para identificar, aceitar e lidar com seus sentimentos e necessidades, ela precisa da aceitação, permissão e ajuda do meio. A aceitação do psicoterapeuta parece ser de importância fundamental para o processo, já que este será um dos grandes diferenciais da relação terapêutica face a outras relações estabelecidas pela criança.
A busca da terapia para a criança demonstra que ela está de certa forma em crise, necessitando que esta encontre recursos para solucionar o conflito, muitas vezes recorrendo a formas mais regressivas de funcionamento. É neles que o analista tem maior possibilidade de ajudá-la. A crise é um período transitório que apresenta ao indivíduo tanto a oportunidade de crescimento da personalidade, quanto o perigo de crescente vulnerabilidade ao distúrbio mental, cujo desfecho dependerá em certa medida do seu modo de controlar a situação.
O contato inicial com a criança é bastante importante, pois, a partir disto, já começa a se estruturar o vínculo e a situação de consulta. O fato de encontrar um profissional desconhecido é para a criança uma situação ansiógena, que tende a ser intensificada pela crise na qual se encontra. Por esta razão a conduta do terapeuta, ao entrar em contato com ela, já deve ter uma função terapêutica, pois neste primeiro contato a sua atitude veiculará uma mensagem a ela. Por isso, após a entrevista com os pais, em um segundo momento, entrevista-se a criança, conversando com ela, se ela assim desejar ou usando material lúdico como meio de comunicação. Neste primeiro momento com a criança não é importante que ela fale o que se passa com ela, mas que possa comunicar o seu conflito a alguém que esteja presente para compreendê-la, através da linguagem que desejar (lúdica, gráfica, dramática).
No trabalho em psicoterapia com crianças consideram-se as relações transferenciais, pois durante as sessões esse fenômeno não é necessariamente interpretado, mas sim vivenciado, num nível de compreensão pré-verbal, semelhante aquele estado de compreensão mãe-criança (participação mística), durante o primeiro ano de vida. São esses vínculos emocionais, que ressurgem de forma particularmente projetiva entre paciente e terapeuta, fundamentais ao processo de transformação da criança.
Assim, nenhuma técnica é inteiramente adequada, pois a equação pessoal analista/analisando é mais importante. É dentro desta relação que se deve realizar todo o trabalho. A relação terapêutica é onde ocorre o processo de transformação ou cura. Esta relação deve ser hermética e a dois, caso contrário não será uma relação terapêutica. Na terapia para se ajudar no desenvolvimento sadio da criança, em especial para o adequado crescimento do ego, são necessárias relações interpessoais, ou seja, criança-terapeuta.
No início da terapia é possível obter informações sobre o problema da criança, o que indicará quais caminhos o terapeuta deve seguir com o objetivo de ser guiado pelo Self da criança. Ao seguir tais impulsos, novas energias que levam à formação de um ego forte são liberadas.
Um bloqueio no desenvolvimento psíquico de uma criança pode ser liberado de modo que ela possa crescer normalmente. Frequentemente, não ajuda em nada tratar a psique com o uso da razão. É preciso tentar entender a linguagem simbólica com a qual a psique se expressa em imagens e sonhos. Como cada criança vai lidar com as influências externas vai depender de sua própria maturação e da capacidade de assimilar a experiência e deste modo desenvolver a sua personalidade e a imagem de si mesmo. Da mesma forma desenvolve sua vida interna: suas fantasias e seu mundo simbólico; estes vão se desenvolvendo de tal modo que a possibilita colocar sua vida pessoal em relação ao social. Portanto, na terapia deve-se criar a oportunidade para o Self da criança se manifestar.
Por outro lado, o terapeuta deve aceitar totalmente o paciente, de modo que ele, como pessoa, torne-se parte de tudo que está ocorrendo na sala. Quando a criança sente que não está sozinha, qualquer que seja a experiência pela qual estiver passando, ela deve se sentir livre, mas, ainda assim, protegida em todas as suas expressões. Através de um relacionamento de confiança e amor mútuo pode ocorrer uma “participação mística”, que cria a situação da primeira fase da vida da criança, aquela unidade mãe e filho. Esta situação psíquica estabelece uma paz interior que contém o potencial para o desenvolvimento da personalidade total. Para criança, o terapeuta é ao mesmo tempo, o espaço, a liberdade e os limites.
Na transferência com o analista, padrões centrais da infância serão repetidos, podendo, portanto, ser reconstruídos até certo grau pelo terapeuta. As diferenças teóricas psicanalíticas do desenvolvimento da criança e da primeira socialização se apoiam consideravelmente nessas reconstruções.
“A individuação é praticamente o mesmo que o desenvolvimento da consciência para fora do estado original de identidade. É, desse modo, uma ampliação da esfera da consciência um enriquecimento da vida psicológica consciente.” (JUNG, 1921).
Partindo-se desta definição de Jung sobre o processo de individuação, é possível perceber que ela pode ser aplicada a todos os processos da primeira infância, inclusive na psicoterapia infantil.
Com frequência, certos conteúdos que emergem do inconsciente assinalam que um processo de integração, que visa a expandir a consciência do indivíduo e a autodescoberta, está ocorrendo. Mas esse processo interno precisa de pessoas que o acompanhem, com as quais o indivíduo possa se relacionar: pessoas que compreendam, confrontem, encorajem, façam demandas, limitem, deem fundamento. Pois como diz Jung: “ninguém pode individuar no monte Everest”. A “individuação” favorecida pela análise é a relação protegida que se estabelece entre analista e paciente como “vaso alquímico” para revisão de costumeiras formas de ser e criação de novas perspectivas o profissional, na situação terapêutica, não é apenas observador, mas também é participante do processo.
É necessário que ele esteja inteiro no setting para ser usado pelo paciente na tentativa de expressar suas angústias e necessidades. É importante, na psicoterapia com crianças, a disponibilidade para brincar, tendo em mente que através da brincadeira que se criará um espaço potencial, lugar do encontro necessário para que a criança coloque sua questão fundamental sob o domínio de seu gesto. É fundamental também que o psicoterapeuta possua uma compreensão e genuíno interesse por crianças. Ele precisa gostar de conhecê-las realmente.
É interessante que tenha algumas experiências pessoais com elas fora da clínica, para que as conheça e entenda como são realmente, em seu mundo fora do setting. Costuma-se “receitar” aos psicoterapeutas em formação, que frequentem praças, festas de aniversário e parques, além de realizaram um “estágio” com sobrinhos, primos e afilhados.
Acredita-se que dentro de um relacionamento terapêutico há uma tendência natural da psique se organizar no momento em que é criado um local livre e seguro. Neste espaço a criança expressa suas ideias, emoções, afetos, muito dos quais ainda não são conscientes para ela. Esta é razão pela qual o terapeuta de crianças utiliza água, barro, mesa, material para desenho e pinturas, jogos, livros para se ler (história infantil e contos de fadas). Somente quando ela puder se perceber aceita sem restrições, independentemente do que ela pense, sinta ou faça, é que ela vai se permitir expressar, examinar, a apropriar-se de todos os seus sentimentos e necessidades, sem precisar utilizar os mecanismos de projeção.
Para isso, a sala de tratamento deve ser concebida de modo a permitir maior liberdade de movimentos. Seja no tratamento analítico ou fora dele, o brincar é parte essencial da vida de uma criança. Os recursos lúdicos devem ficar preferencialmente expostos em estantes, armários ou prateleiras de fácil acesso às crianças. Isso é fundamental para a percepção e compreensão dos níveis de autonomia de cada criança de forma que se possa discriminar aquela que pede ajuda ou permissão porque precisa da mediação do adulto, daquela que realmente não consegue fazer sozinha. O espaço também precisa estar congruente com a visão do terapeuta e com a sua metodologia. Ao utilizar recursos lúdicos que envolvam materiais que sujam e brinquedos que se movem é fundamental que o espaço possa comportar a utilização desses materiais e que seja simples o suficiente para o terapeuta não ficar se preocupando com a integridade da mobília e dos objetos da sala, bem como no chão e na parede. O espaço precisa contemplar o critério de facilitador de experiência e não o de uma sala de visitas.
Na psicoterapia, a simbologia, então, indica os múltiplos caminhos que a criança usa para registrar percepções, conhecimentos, emoções, vontade, imaginação e memória no desenvolvimento de uma forma de interação social, apropriada às suas condições físicas, psíquicas, históricas e culturais. Os recursos terapêuticos usados para acessar a vida interna e simbólica da criança, são de suma importância na produção de sentido, trocas, manifestação e construção de conhecimentos e, ao mesmo tempo, um instrumento social desencadeador da narrativa e dos processos de significação que podem favorecer a interpretação adequada e impulsionar o desenvolvimento da criança.