*Por Lilian Britto
Todo mundo já sentiu ou sente medo de algo, isso faz parte do ser humano. É através do medo que o corpo reage para se desvencilhar de um perigo ou ameaça iminente. Para as crianças, não é tão diferente; a diferença é que algumas sentem medo de coisas que realmente existem, situação que aconteceu ou algo criado pela própria imaginação.
À medida que a criança cresce, ela desenvolve um sistema de controle mental e passa a enfrentar o perigo de forma mais racional. Entretanto, algumas crianças conseguem “domar” alguns medos da infância, mas acabam surgindo novos. O desenvolvimento progressivo da área cognitiva, juntamente à motora, permite que a criança perceba, enfrente ou se defenda frente a certos perigos.
Pode-se afirmar que existem três tipos de medo:
- Inatos: desde o nascimento, como sustos (sons, luzes fortes, calor, frio, etc).
- Ao longo do crescimento (bichos, escuro, solidão).
- Eventos traumáticos ou induzidos pelo meio (acidentes, filmes/vídeos, ataque de algum animal, morte, separação, etc).
Sons e ruídos repentinos, flashes luminosos, movimentos súbitos que te pegam de surpresa e perda de apoio (cair de repente), em geral, assustam bastante as crianças pequenas. A atitude e o apoio dos pais podem minimizar alguns deles, como por exemplo: um bebê de repente escuta um ruído forte. Inicialmente ele irá se sobressaltar (arregalar os olhos e sacudir mãos e pernas) e depois chorar. O bebê se alarmará menos se estiver por perto de algum adulto que confie, que o embale, sorria e lhe fale de maneira afetuosa e terna. Alguns podem até sorrir e depois voltar a chorar novamente.
Lembram do vídeo a seguir, no qual um bebê, ao escutar alguém assoando o nariz, se assusta e começa a rir repetidas vezes?
O medo de animais costuma aparecer em crianças de 1 a 3 anos, fase em que começa a se aventurar além dos limites habituais. Como se trata de um medo normal da idade, na maioria das vezes ao se habituar-se à presença deles elas superam naturalmente esse desconforto, a menos que vivam uma experiência traumática — como uma mordida.
Entre os 2 e 6 anos, pode surgir o medo do escuro. Enquanto os recém-nascidos não temem a escuridão, pois são acostumados aos ambientes sem luz ou com pouca luz, uma criança de 2 anos, por exemplo, já consegue distinguir que, à medida que o dia vai passando, o céu vai escurecendo — ela inaugura a noção de dia, tarde e noite. Sombras, vultos, barulhos no corredor ou no teto assustam bem mais à noite do que no dia claro e ensolarado — é ou não é?
A partir de 3 anos, a imaginação inicia-se e as crianças criam cenários, pessoas, bichos e situações assombrosas. Aos 4 anos as crianças já possuem certo domínio e entendimento do que ocorre ao seu redor, bem como brigas, conflitos entre os adultos, doenças, separações, morte e cenas violentas na televisão. Tudo isso colabora para a criança fomentar mais ainda seus medos ou surgir novos.
Certa vez, atendi um menino de 7 anos de idade que tinha medo de entrar na cozinha no período da noite, pois certamente encontraria a medusa. Além do medo de entrar na cozinha, ele também tinha medo de ser transformado em pedra e nunca mais ser encontrado por seus pais.
Durante o processo de terapia, eu e ele descobrimos que o fato de ficar muito tempo sozinho em casa e muito tempo em frente à televisão (sem a fiscalização dos pais, que passavam o dia todo fora de casa) colaborava ainda mais com o seu medo de ser “abandonado” ou “esquecido” pelos pais, “como uma simples e sem importância estátua feita pelos olhos de uma medusa”.
Ou seja, apesar de muitas vezes os medos estarem relacionados a “entes sobrenaturais” que não existem na nossa realidade, a base dos medos infantis tem muito o que dizer sobre os sentimentos, ansiedades, ideias e receios das crianças.
A partir dos 6 anos, a criança consegue dominar mais facilmente seus pavores vividos nos anos anteriores, tais como ruídos, flashes, escuro, monstros e bruxas, justamente por ter maior capacidade de compreensão e poder entender ameaças como ladrões, doença, morte, dor e abandono.
Nesta fase surgem temores mais ligados ao social (desempenho escolar) e interação com os outros (reprovação, brigas e rejeição dos colegas). Aqui também tende a diminuir o medo de animais domésticos, mas pode se desenvolver o de insetos. Crianças podem brincar tranquilamente com cachorros maiores, por exemplo, e diante de uma abelha entrar em desespero.
Minha sobrinha de 6 anos ama brincar com meu cachorro: pega no rabo, na língua, no ouvido e até mesmo nos dentes. Certa vez, em uma viagem em família, ao sair do quarto de hotel, ela se deparou com um grande lagarto (calango) no caminho do jardim.
Prontamente ela correu e gritou pela sua mãe. Com o rosto pálido e coração quase saindo pela boca, voltou para o quarto e custou para querer sair de lá. Há uma explicação: o pavor por animais exóticos, invertebrados e afins está relacionado à angústia provocada pelo desconhecido. “O que não conheço me causa medo, pois não saberei o que ele é capaz de fazer comigo.”
Lidar com determinados medos muito vezes não é tão fácil. Algumas crianças chegam a fantasiar que, após terem conseguido matar aquele bicho, os amiguinhos do animal virão à sua procura para se vingar. Lembrei do meu irmão: certa vez, em uma casa de praia, ele e um amigo mataram um sariguê (uma espécie de gambá) e, depois do ato, mal conseguiam sair de casa, muito menos irem até a cozinha, pois fantasiaram que uma “gangue de sariguês” estava confabulando um plano de vingança em nome do falecido.
Vários medos que se manifestam até aos 12 anos de idade se explicam pela instabilidade que marca toda a fase de desenvolvimento – de bebê à criança e de crianças a pré-adolescentes, ocorrem muitas transformações cognitivas, físicas, emocionais, mentais e sociais que geram uma série de incertezas, medos e inseguranças.
Uma pessoa adulta utiliza seus recursos internos de autoconfiança e defesa para lidar com as ameaças; já as crianças dependem dos outros para se sentirem protegidas e, por isso, se sentem paralisadas ou incapazes diante de situações ameaçadoras.
Quando os medos não são superados, podem evoluir para quadros fóbicos ou se transformarem em uma ansiedade patológica. A fobia é um medo persistente, intenso e de difícil controle, e que se refere a vivências traumáticas. Muitas pessoas podem apresentar fobias, mesmo quando adultas: adultos com fobias a certos animais, por exemplo, quando crianças foram mordidos, atacados ou ficaram presos juntamente a eles.
Então qual é o papel dos pais para ajudar uma criança que está com medo?
- Observar a criança – perceber o funcionamento emocional dela.
- Jamais desqualificar, desrespeitar, desmerecer ou dar uma interpretação excessivamente adulta para o medo. Respeitando assim sua condição de criança.
- Suportar a dor e o sofrimento de seu filho. Isso significa não misturar os seus sofrimentos aos dele. Para isso o adulto precisa estar suficientemente bem para poder ajudar e criar uma estrutura de apoio para que a criança encontre estratégias pessoais de lidar com os seus medos e sofrimento. E não só apenas ajudando no sentido de enfrentar este medo, mas também de ir criando condições para que ela possa manejar outras situações difíceis que surgirão.